Deu-me o Senhor ensejo e experiência de refletir sobre excelente “sucessão”: os filhos gerados pelos filhos, em inelutável inspiração. O fenômeno da sucessão lembra-me a solene e grave postura do patriarca – diga-se, dentre muitos, Abraão –, com um olhar profundo e expectante, numa súplica de todo embasada na promessa de Deus “... em tua descendência serão benditas todas as nações da terra” (Gn 22.18). Na grandeza da experiência de pais e filhos, cada dia é uma nova florescência na vida. Bem haja, como também ocorreu a Salomão, quem entenda que “os filhos são herança do Senhor” (Sl 127.3). Benfazeja graça, dá-nos muito que pensar. É a partir da experiência do “pai da fé” que temos esta pérola: “Deus de Abraão, Deus de Isaque e Deus de Jacó”. Não é isto uma tradução perfeita e inspiração para o que Salomão escreveu – “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele”? (Pv 22.6). Que nesse caminho se preserve a fé, pois a gestão da vida nos impõe essa ideia. Com respeito pelo que somos, por nossa identidade, por nós próprios, pela vida em cada circunstância.
Eu escrevo como quem inunda tudo abaixo das pálpebras... Mediante o que Aristóteles, o filósofo grego, escreveu em sua Poética Clássica, expressar-se, seja nas letras seja no palco, tem um sentido catártico. Tudo isso fomenta novas posturas e um novo sentido para a vida.
Escrever, como ser pai e avô, é um derramar-se por inteiro.
Já se disse que enquanto houver crianças nascendo, haverá esperança para o mundo. Verdade seja! Tal evidência remonta aos tempos primeiros da condução divina de seu povo, e se estende num esteira doutrinal, ao longo da Escritura e da História, na forma de Deus conduzir seus filhos. Assim, havemos nós de reparar e de instruir nossos filhos.
Há quanto desejávamos que isto ocorresse? Havia tempo, bastante tempo!, a nutrir nossa expectativa e nossa esperança. E a seu tempo, tudo se fez. A vida é assim: não se há de precipitar acontecimentos sem os riscos da prematuridade. Por vezes é preciso esperar passar o tempo, e vir o tempo, para se sentir melhor a realidade. Esta requer de todos nós uma convivência realista com os fenômenos existenciais. Efeitos especiais e pirotecnia tiram a visão da realidade.
A realidade é esta: os filhos dos filhos aí estão. Vieram como dádivas do Altíssimo. Pedro e João, com o ser a glória dos pais, são-nos também a nós, como avós. Um monumento à vida, no coração de pais e filhos.
Primeiro veio Pedrinho, num anoitecer que em nada supunha um crepúsculo, senão um novo dia, solene e gracioso, gracioso e permanente, mercê de uma Graça que em nós se instalou e cristalizou-nos a experiência com o Senhor dos senhores. Pedrinho é a própria graça – viés humano pelo qual Deus nos vai trabalhando. Que sentido maior e melhor se auferiria de uma vida simples como a nossa, sem seu sorriso, seus abraços e beijos, suas tiradas inteligentes e espertas?... Ele é uma demonstração decisiva de que o Senhor ouve nossas orações, quando diante dele derramamos o nosso coração. Neste sentido, os filhos são lições preciosas para a própria experiência de fé no coração dos pais.
Seu nome é Symeon, no hebraico original; Pedro é alcunha, no grego, “pedregulho”, seu “nome cristão”; de certa forma, uma antecipação ao fato de que ele era uma pedra, a indicar a Pedra sobre a qual a Igreja seria edificada. Simão Pedro, portanto. De “pedregulho” a “Pedra” – uma grandeza que se ostenta e se impõe. Cefas é um apelido dado por Jesus a Simão Pedro (Jo 1.42). O termo é aramaico e significa “pedra”, “seixo”. Os gregos traduziram-no por petros e os latinos por petrus. Paulo lhe destinava certa preferência, em 1Co 1.12, e na Epístola aos Gálatas. O propósito parece ser o mesmo: ressaltar impressionante têmpera.
Pedrinho é, para nós, uma dádiva de Deus! Tais evidências se mostram sempre que ele demostra entendimento e natural adesão, à altura de sua percepção infantil, das coisas sagradas.
Depois veio João, igualmente com nome de apóstolo, acrescido de Gabriel, nome de anjo!... Gabriel significa “homem de Deus” ou “herói de Deus”. João Gabriel vem a ser uma conexão precisa da terra com o céu, porque Apóstolo e Anjo. Quando Deus gera vidas que unem céu e terra, decerto revela seu propósito sublime e gracioso de assinalar nossa vida com sua presença. Homens de Deus hão de ser sinais visíveis da presença divina no mundo, como o Cristo de todos nós o foi e é – Emanuel Eterno! –, Deus conosco!
Joãozinho ou Gabrielzinho (o carinho dos avós vai se expressando como manda o sentimento) estreou na vida numa manhã radiante, uma fulgurante manhã de São João, depois de uma noite a ser suportada somente pela determinação de uma jovem mãe, valente e altiva, de admirável compostura. Encara a realidade como se lhe apresenta, ao lado de seu jovem e devotado esposo, como poucos abnegados, como se quisesse fazer possível dividir momentos tão profundos quanto doridos. A vida parece transcender, quando em momentos tais pai e mãe somam-se na recepção ao filhinho. É o presente maior que se podem dar. Nos dois casos, essa conjunção ocorreu, e pareceu-nos muito bem. Juntos, no desvelo pelo filho, vão encarar a “humana lida e luta, tão múltipla e (tão) variada”, com um propósito definido na mente e no coração. Mas, entenda-se, coração de mãe é terreno de extrema peculiaridade... Afeto maternal não se dilui na dor, enquanto se confunde com esperança, sonhos, alegria, felicidade. As lágrimas que tremulam pela face também reluzem na vida.
Se foi, e disto não temos dúvida, uma nova manhã, não estaríamos nós diante de oportuno ensejo de refletirmos com a palavra – “As misericórdias do Senhor renovam-se cada manhã”? (Lm 3.23). É preciso enxergar essas novas evidências que o Eterno vai suscitando e com isso inspirando nosso viver diário.
Os filhos são herança do Senhor porque também através deles Deus se vai revelando e nos vai mostrando, cada instante, sua preciosa vontade.
Se é encantamento, a chegada de uma criança é, também, teologia, algo a ser visto. Quis Deus vir ao mundo numa criança e não num homem adulto. Dessa forma, Ele percorre toda a nossa vida e a assinala com sua graça. Quem há de abstrair-se de um tão grandioso dom? Seria para nós o fim de todas as coisas. A chegada de uma criança significa que a vida continua e que Deus conosco está!
E Joãozinho chegou para engalanar mais um dia em nossa vida, como o fez Pedrinho, há três anos e meio. Glória a Deus pelo dom da vida!
Eu sei que fenômenos naturais ocorrem na geração da vida, mas eu sei, sobretudo, que a vontade divina sobrepassa toda geração. Por isso, filhos devem ser gerados de acordo com os princípios divinos e criados dentro desses mesmos princípios. A condução da vida dos filhos deve obedecer a esses parâmetros.
Pedro e João – filhos dos filhos! –, e de genro e nora, que também são filhos (quando essas uniões são geradas em amor, genros e noras são também gestados como filhos), pronunciam-se para os pais: Neyla e Ito, Daniele e Flaubert; e para os avós: Jaíde e Obdoral, Miriam e Manoel Pavão, Aidênia e Válter Sales, como o que de mais representativo existe do projeto de Deus para a Humanidade. Correm, paralelamente, nesse elo de afeição, bisavós, tios e outros parentes.
Como pais, temos certo orgulho de como nossos filhos criam seus filhos. Nisto, também para nós, a vida é um aprendizado.
E aqui, solenes e graves, ficamos a olhar o futuro, a esperança, o vir-a-ser (o devir dos filósofos), com os olhos da fé, que veem antes. Anteveem e, assim, nos permitem ver e gozar a vida como plenitude, não apenas na intensidade de cada momento, como na sua extensão e suas projeções.
Quando uma criança nasce e cresce, a vida se afirma e se eleva.
Sejam assim nossas vidas.
Seja assim a vida de Pedro Sales Siqueira.
Seja assim a vida de João Gabriel de Melo Sales.
Amém.
Recife, 14 de Julho de 2011
Os avós: